É absolutamente escandalosa a degenerescência dos produtos cosméticos. A falsificação generalizada dos produtos cosméticos está-me a deixar perigosamente nervoso. A pasta medicinal Couto deixou de ser medicinal e vende-se nos no botecos de bairro; a lanolina perdeu a sua mística redentora; o algodão Thermogene, de calor avassalante, já não nos faz cuspir fogo; o washandgo é uma síntese impertinentemente desqualificada do velho trato capilar, tão demorado como conceituado; o pó de arroz virou pó de talco; o sabonete patti da minha infância, inefável de aromas subtilmente afrodisíacos, cheira a outro sabonete qualquer; o Cacharel cheira a limonada.
Mas a história que vos quero contar gira à volta do Chipre Imperial, um sabonete dos anos setenta que representa certamente o mais notório caso de mistificação cosmética.
Na semana passada, deambulando por um supermercado, deparei com uma prateleira do velho sabonete Chipre Imperial e travei às quatro rodas, paralisado pelo espanto e pela saudade. (O espanto parou as duas rodas da frente e a saudade parou as outras duas). Comprei uma boa porção e fui para casa, convicto da transformação que aquele sabonete iria operar na minha vida. Enquanto isso, a minha memória, evasiva e tumultuadamente, transportou-me até a segunda metade da década de setenta: um duche lento, uma expectativa suculenta, um espelho sorridente de pasta Couto, uma hipótese de erecção e o sabonete Chipre Imperial, o ubíquo e compassivo Chipre Imperial, a permanente segurança, o terror impiedoso de todos os odores, a salvação dos dias mornos, o elixir da virilidade absoluta. Uma manhã com Chipre Imperial assegurava-me uma tarde promissora e uma noite sempre irrevogavelmente cumprida. As mulheres sucumbiam ao suave aroma do Chipre e o meu corpo respondia voluptuoso e imponente aos seus ataques inteligentemente subreptícios.
Há oito dias que me lavo (digo, me esfrego, me derreto, me envolvo, inundo) com Chipre Imperial. Só que, desta vez, o sabonete de todas as delícias está miseravelmente falsificado., Nem um único espelho me sorriu, nem uma única mulher reagiu favoravelmente ao meu aroma. Pelo contrário, o sabonete descredibilizou a minha tarde e emudeceu a minha noite. Desinspirou a minha verve, adocicou-me sovacos e cuecas. Enfim, uma miserável falsificação de sabonetes e os falsários por aí livres e impunes!
O meu amigo João Luís disse-me que isso se pode dever ao facto de eu ter feito 61 anos no mês passado. Definitivamente, os nossos amigos estão a ficar destituídos de sentido crítico e acreditam em qualquer patranha. Quer dizer, os falsários proliferam sem restrições e depois o nosso aniversário é que tem a culpa???
Post 874 (Imagem daqui)
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